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BERLIM

Mostra revela códigos cartográficos dos trópicos

Quem nasceu numa era em que se pode navegar pelo globo através do Google Earth dificilmente entenderá as dificuldades de mapear o mundo em épocas passadas. Hoje é difícil de imaginar a sensação de viver num mundo não cartografado e sem limites definidos e a dificuldade de civilizações anteriores em representar paisagens e espaços percorridos e imaginados.

A exposição Vermessen – Kartographie der Tropen (Desmedido – Cartografia dos Trópicos), a ser vista no Museu Etnológico de Berlim até 27 de Agosto, mostra a discrepância das representações espaciais de diferentes civilizações e épocas. A ideia da mostra é confrontar as concepções cartográficas do Velho Mundo com modelos espaciais concebidos nos trópicos.

Formas de mapear o entorno e o além

A idéia do mapa como representação meramente topográfica surgiu na Idade Moderna, com o desenvolvimento tecnológico e científico instigado pelas navegações e pela conquista de novos territórios. Anteriormente, os mapas-múndi misturavam informações bíblicas e históricas, geográficas e míticas num único espaço.

As poucas e em parte valiosas peças expostas na mostra de Berlim revelam as diferentes motivações de mapeamento. No Egito antigo, as tradições de sepultamento incluíam representações do além-mundo, para que o falecido pudesse se orientar no território dos mortos.

A imagem pintada no fundo de um caixão de madeira de 2000 a.C. mostra dois caminhos pelo reino dos mortos: a via aquática, representada em azul, e a via terrestre, em preto. "Naqueles caminhos reina a confusão, cada um deles vai de encontro ao outro em plena desordem", diz a inscrição. Daí a importância de munir o morto com um mapa e oferecer-lhe indicações de como se locomover num mundo desconhecido.

Mas a cartografia geralmente serviu a finalidades mais imediatas e práticas, por mais que as formas de registrar sempre tenham sido as mais diversas. Os habitantes das Ilhas Marshall, no sul do Pacífico, mapeavam os arredores navegáveis usando varas. Cruzadas em padrões específicos, as varas indicavam as vias percorríveis de acordo com as correntes e ondulações. As ilhas eram indicadas com búzios.

Com a mesma meta de se orientar em seus barcos, bem longe dos trópicos, os esquimós – dispensando a representação portátil – se contentavam com marcações na paisagem ou com o delineio de skylines nas rochas.

Diferença e interculturalidade na cartografia

As convenções de representação cartográfica também mudaram muito no decorrer dos séculos. Os mapas-múndi medievais, em sua maioria, representavam o leste "em cima" (no sentido norte). Isso, porque o paraíso – meta da trajetória terrena – era localizado para além do sol nascente. A cartografia árabe, por sua vez, representava o norte "embaixo" (no sentido sul).

Apesar das enormes discrepâncias culturais na representação do espaço geográfico, a cartografia também é um interessante âmbito de interculturalidade. Um mapa-múndi indiano do século 18 (mas referente ao estágio de conhecimento do século 15) segue as convenções árabes, mas incorpora à sua inusitada cosmologia elementos da epopéia francesa medieval Roman d’Alexandre.

Um astrolábio fabricado em Toledo, no século 11, auge da convivência entre as diferentes religiões e culturas na Espanha, mostra inscrições com nomes de cidades em hebraico, denominações árabes dos signos do zodíaco e nomes latinos dos 12 meses julianos grafados em alfabeto árabe.

Um código a ser decifrado

A exposição torna nítido o hermetismo do código cartográfico. Por mais que os objetos expostos fascinem pelo caráter enigmático, sua compreensão exige o domínio de um alfabeto próprio. Muitos dos códigos de culturas antigas se perderam e tiveram que ser reconstruídos com muito esforço.

Sua reconstrução é muitas vezes mais complexa que a reconstituição de línguas indecifradas. Afinal, não se trata somente de resgatar o significado dos símbolos e convenções cartográficas, mas também de imagens do mundo bastante complexas. Só munido de catálogo é que o visitante da mostra consegue passar do fascínio pelo objeto misterioso para a compreensão do significado das peças expostas.

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