Opinião

POR LUIS MAH

A Ásia e o retorno do Estado

Num momento em que se começa a assistir a uma transferência progressiva do poder do Ocidente para a Ásia, talvez consigamos encontrar na ascensão deste continente algumas respostas importantes para os debates da Europa actual.

Quais as melhores políticas públicas para assegurar um crescimento económico mais sustentável e que responda às necessidades das comunidades e não apenas às de uma pequena minoria: mais Estado ou mais mercado?


Na imagem estereotipada da Ásia, e como em todos os estéreotipos existe uma ponta de verdade, vê-se um continente onde o capitalismo selvagem domina, explorando-se a mão-de-obra abundante para se produzir rápido e barato.

 

No entanto, o que parece estar ausente na mente de muitos é que o Estado desempenhou e continua a desempenhar um papel crucial neste desenvolvimento asiático. Não é possível falar de capitalismo asiático sem se falar de um Estado intervencionista. E foi o que aconteceu desde os anos 60, no Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Indonésia, Malásia, Singapura e Tailândia, aos quais se vieram juntar nas últimas décadas os casos da China e do Vietname.


No centro desta intervenção do Estado têm estado duas políticas fundamentais: controlo do sistema financeiro (directa ou indirectamente) e uma política industrial orientada para as exportações. No entanto, nos finais dos anos 90 do século passado, este modelo começou a ser posto em causa, e em 1997 a região foi fortemente abalada por uma crise financeira que veio a ser conhecida como a crise do FMI (Fundo Monetário Internacional).


Foi uma crise gerada pela falta de confiança internacional na região face ao excessivo endividamento externo do sector privado. E que teve como consequência o colapso dos sistemas financeiros da Tailândia, Indonésia e Coreia do Sul, a recessão económica e a falência de outrora poderosas empresas e bancos. Na génese deste endividamento esteve uma liberalização financeira demasiado rápida sob pressão internacional num contexto institucional local fraco e incapaz de regular este novo sistema financeiro. O recurso ao FMI representou uma humilhação e vergonha para os chamados "Tigres Asiáticos".

Na altura, houve várias vozes na região que pediram a alto e bom som que fosse desafiada a ortodoxia do mercado livre e insistiram que o mundo precisava de uma nova arquitectura financeira. A Ásia lembra-se bem de como foi empurrada na altura, pela Europa e Estados Unidos, a procurar a ajuda do FMI. Lembra-se bem de como criticou o papel das agências de notação internacionais que tinham ajudado a acelerar o colapso financeiro da região ao terem baixado rapidamente o rating dos países e empresas da Indonésia, Coreia do Sul e Tailândia. Agora que o mundo está numa crise ainda mais profunda, talvez o diálogo que a Ásia então quis com o resto do mundo finalmente comece. A Ásia não pode escapar a esta crise porque os Estados Unidos e a Europa são os seus principais mercados de exportação. E porque o comércio internacional é precisamente a sua principal locomotiva económica.

A Ásia está mais do que nunca dependente da economia global. O crescimento espectacular da região nos últimos anos deveu-se em grande parte às exportações, embora essa interdependência também a tenha tornado mais vulnerável a momentos de crise como agora. Mas quem olhar para os números de hoje não deixará de descobrir uma Ásia mais sólida que o Ocidente, porque aprendeu lições valiosas durante a crise financeira asiática de 1998. Um Estado capaz de regulamentar e orientar o mercado sem pôr em causa o desenvolvimento e crescimento económico. Como dizia há tempos, Kishore Mahbubani, um dos mais influentes pensadores globais e reitor do Escola de Políticas Públicas Lee Kuan Yew em Singapura, os Estados asiáticos nunca foram capturados pela visão ideológica de que os mercados sabem mais e melhor sobre a gestão da economia. Pelo contrário, os Estados asiáticos acreditam que a mão visível do Estado não pode deixar de equilibrar a mão invisível do mercado.

Luís Mah (NA FOTO), Instituto de Estudos Orientais, Universidade Católica Portuguesa, Público