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PODE SER MERA «VINGANÇA»

Um português descobriu que há polvos que socam peixes

Uma equipa de investigadores liderada pelo português Eduardo Sampaio observou vários polvos a socar violentamente os seus parceiros de caça através de um movimento rápido (e nada aleatório) realizado com um dos seus braços.

Em declarações ao ZAP, Eduardo Sampaio (na foto), doutorando da Universidade de Lisboa, referiu que em causa está um movimento violento e “altamente dirigido a um peixe específico”, o que evidencia que o comportamento observado é intencional.

“A este comportamento chamamos um “soco” ou “murro“, porque o movimento é extremamente similar a essa ação”, começou por explicar o investigador, cujo doutoramento se debruça sobre o comportamento social e cognição dos cefalópodes.

“Filmámos ‘murros’ executados por vários polvos diferentes, em sítios diferentes do Mar Vermelho – em Israel durante um mês em 2019 e no Egito durante dois meses em 2019 -, e em grupos com composições diferentes de peixes, o que indica que os ‘murros’ [captados nas filmagens] têm um papel nestes grupos inter-específicos”.
 

A equipa observou interações entre Octopus cyanea e uma série de espécies de peixes, incluindo peixes-esquilo (Sargocentron caudimaculatum), garoupas-vermelhas (Epinephelus fasciatus), garoupas-papagaio (Variola louti), entre outras espécies.

Os polvos parecem exibir este comportamento para afastar peixes, mesmo que estes sejam os seus parceiros de caça, e obter comida. Tal como frisa Eduardo Sampaio, este grupos, apesar de colaborativos, comportam-se em prol do interesse próprio.

“São muito raras as provas de altruísmo entre espécies diferentes, em que, por exemplo, um polvo ou um peixe está a caçar para ‘dar’ mais presas aos seus parceiros. Simplesmente, como as estratégias de caça são complementares, a dinâmica de caça conjunta de polvos e peixes parece ser benéfica tanto para polvos como para peixes, porque se torna mais fácil de encurralar presas”, disse o investigador, dando conta que esta é a justificação mais fácil do ponto do vista evolutivo, mas pode não ser a única.

Estes animais, que muitas vezes são rotulados como “extraterrestres terrestres” pela complexidade comportamental e cognitiva que demonstram, podem agredir peixes sem procurar um benefício a curto prazo – pode ser mera “vingança” ou castigo.

“Existem também outros eventos em que o polvo dá ‘murros’ sem ter acesso imediato a uma presa, ou seja, sem obter benefícios imediatos. Nestes casos, o polvo pode estar a expressar uma resposta imediata ao facto de o peixe ter obtido uma presa que seria sua, isto é, está a impor um custo, apesar de o próprio pagar um preço por isso”.

“Ou então poderá estar a “castigar” esse peixe, de forma a que este tenha ações colaborativas nas interações seguintes”, acrescentou, ressalvando, contudo, estes são cenários teórico e especulativos que carecem ainda de um estudo quantitativo para se perceber de que forma é que o comportamento do peixe se altera após a agressão.

https://twitter.com/OctoEduardo/status/1340076579108646913
Retrato comportamental de um animal solitário

Quando partiu para captar as imagens subaquáticas, a equipa sabia já que poderia conseguir observar este tipo de comportamento. Ainda assim, o investigador português admite que foi um momento caricato: “Confesso que a primeira vez que vimos um polvo a dar um ‘murro’ a um peixe soltei uma gargalhada debaixo de água e quase que me engasguei com o meu próprio regulador de mergulho”.

Apesar da nova investigação, cujos resultados foram recentemente publicados na nova revista científica especializada Ecology juntamente com uma série de vídeos onde se pode observar as agressões, há ainda muito para descobrir sobre os polvos.

“Se olharmos para o grupo interespecífico em si, chegamos a ver grupos compostos por 12 peixes e um polvo. Cada peixe tem uma estratégia de caça diferente consoante pelo menos a espécie e, para além de interagir com o polvo, também interagem entre si. Existe uma teia de interações bastante complexa e estamos a tentar perceber como é que o movimento coletivo destes grupos se organiza”, explicou.

Relativamente aos “murros”, há também ainda muita matéria para ser esmiuçada.

“Queremos perceber também qual o efeito que estes [‘murros’] têm não só no peixe que é atingido, mas também em todo o grupo à sua volta”, continuou, exemplificando que falta perceber, por exemplo, se a audiência se torna mais colaborativa com a agressão.

Outro aspeto que seria interessante perceber, segundo o investigador, está relacionado com as espécies em que os indivíduos são quase inseparáveis.

Nestas, as consequências da agressão num parceiro de uma ou outra espécie podem ter resultados muito diferentes a nível organizacional do grupo a seguir.

Esta investigação revela um pouco mais sobre a complexidade comportamental dos polvos, animais que são, durante quase toda a sua vida – à exceção do momento de acasalamento, que culmina na sua morte -, animais extremamente solitários.

“O estudo faz um relato de história natural inicial de um comportamento utilizado de forma inovadora em situações sociais muito pouco estudadas e levanta muitas outras questões adicionais… E isto é a Ciência“, rematou Eduardo Sampaio.